Por Marcos Fernandes Gonçalves
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16 de janeiro de 2020
O contrato de franquia é regido pela Lei 13.966/19, cujo conceito pode assim ser sintetizado: Contrato pelo qual um franqueador autoriza, mediante remuneração, o franqueado a usar e distribuir suas marcas e outros objetos de propriedade intelectual, incluindo implantação e administração do negócio . Franqueador é quem cede a marca ou patente, além dos respectivos produtos; franqueado é quem os explorará. Contrato de franquia vs. vínculo de emprego O artigo 1º da lei supramencionada diz o óbvio ao excluir a possibilidade de vínculo de emprego na relação entre franqueador e franqueado. Distintos contratos não poderiam gerar o mesmo tipo de prestação de serviços. O que difere o labor do empregado com a atuação do franqueado é que não há, em relação ao franqueador, dependência econômica, que é o elemento característico do contrato de emprego. Além de o franqueado ser pessoa jurídica, o que, por si só, impossibilitaria vínculo empregatício com o franqueador, nos termos do artigo 3º da CLT, salvo na hipótese de fraude (contratação de fictícia pessoa jurídica). Contrato de franquia: características As características da franquia estão descritas no art. 2º da Lei 13.966/19, como, por exemplo: necessidade de contrato escrito, descrição do negócio, especificação do investimento, remuneração periódica pelo uso do sistema, marca e propriedade intelectual do franqueador, inclusive know-how , entre outras exigências. A autonomia é elemento fundamental a caracterizar a atividade do franqueado, que, como empresa independente, administrará seu estabelecimento e respectivos empregados. O franqueado é quem assume os riscos da operação comercial, não podendo o franqueador interferir na direção do contrato, a não ser quanto à supervisão da marca, produtos e serviços. Vedada, portanto, a fiscalização do franqueador, em termos trabalhistas, na direção dos negócios do franqueado, conquanto aquele possa ingerir na preservação da qualidade da marca e produtos comercializados, inclusive oferecendo treinamento aos empregados do franqueado, o que é natural, pois aquele possui know-how quanto ao objeto do contrato. Em suma, não pode o franqueador subordinar, dar ordens, dirigir a prestação dos serviços dos empregados do franqueado, sob pena de formar vínculo de emprego direto com esses trabalhadores. O que invariavelmente leva esse tipo de contrato à apreciação dos tribunais trabalhistas é a fraude : o contratante (franqueador) formaliza franquia, mas subordina o franqueado, ou, ainda, subcontrata, como se fosse “terceirização”, para direcionar mão de obra à outra empresa, mas continua a dirigir trabalhadores supostamente contratados pelo franqueado. Vínculo de emprego é contrato realidade , devendo prevalecer os fatos em detrimento de formalizações. Havendo fraude, ou seja, contrato de emprego mascarado por “falsa franquia”, incidirá a nulidade prevista no artigo 9º da CLT: Contrato de franquia e responsabilidade trabalhista A ingerência indevida do franqueador nas atividades do franqueado pode gerar responsabilidade solidária de ambos, nos termos do artigo 2º, § 2º, da CLT, em face dos empregados do franqueado, podendo, inclusive, ser considerado grupo econômico. Isso porque, nesse caso, há influência nos contratos de emprego, colocando o franqueador como partícipe de eventual ilícito, contratual ou extracontratual, podendo incidir, também, o disposto no artigo 942 do Código Civil. Responsabilidade subsidiária (Súmula 331, IV, do TST) A jurisprudência tradicional rejeitava a possibilidade de o franqueador responder pelos créditos dos empregados do franqueado, com fulcro na responsabilidade subsidiária, porque a Súmula 331, IV, do TST, diz respeito à terceirização dos serviços, hipótese que não se confunde com a franquia. No entanto, parte da jurisprudência vem reconhecendo essa responsabilidade (nesse sentido, o acórdão do TST: ROAR 71.337/2002 ). Notadamente porque os empregados do franqueado, na inadimplência deste, ficariam sem a possibilidade de receber seus créditos, o que iria de encontro ao princípio do valor social do trabalho , nos termos do artigo 1º, IV, da CF. Mas a matéria não é pacífica: TST: RR 1356/2000-012-02-00.8 Evidente que o direito de ressarcimento ao franqueador, em face do franqueado, estaria garantido, nos termos da lei civil. Dever de cautela do franqueador Caberia ao franqueador verificar a idoneidade do franqueado, sua capacidade financeira, até como requisito de contratação, sob pena de lhe ser imputada culpa in vigilando . O dever geral de cautela é inerente ao contrato de emprego, que, combinado com o princípio da alteridade , impõe ao contratante obrigação de fiscalizar o cumprimento da legislação trabalhista, sob pena de se configurar a conduta omissiva prevista no art. 186 do Código Civil. Nesse contexto, o prejuízo pela insolvência empresarial não pode ser transferido ao trabalhador. Também, porque este não participa dos respectivos lucros e a força de trabalho (contrato de atividade) não pode ser reposta O Direito do Consumidor resolveu esse problema considerando objetiva e solidária a responsabilidade entre fornecedor, fabricante, produtor, construtor, importador, comerciante ou prestador de serviços, sendo, portanto, indiferente ao consumidor a caracterização do franqueador e franqueado como fornecedores ou prestadores dos serviços. Assim, a jurisprudência: APELAÇÃO - FRANQUIA - PRESTAÇÃO DE SERVIÇO INADIMPLEMENTO PARCIAL RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA FRANQUEADORA CLÁUSULA PENAL READEQUAÇÃO (CC, ART.413) - Pretensão de reforma dos capítulos da sentença que condenaram solidariamente a franqueadora pelo inadimplemento contratual e que estabeleceram, como base de cálculo da cláusula penal contratual, o valor integral do contrato. Cabimento parcial Franqueadora que integra a cadeia de fornecimento (CDC, arts. 7º, par. único, e 25, §1º), devendo responder solidariamente por defeitos nos serviços prestados pelas franqueadas Precedente do STJ Multa contratual que deve ser reduzida proporcionalmente, para que abranja a penas o valor correspondente à parcela não prestada dos serviços (CC, art. 413). Recurso parcialmente provido [TJSP, processo n. 1019441-20.2017.8.26.0562, apelação cível, 13ª Câmara de Direito Privado, Relatora Ana de Lourdes Coutinho Silva da Fonseca, publicação do acórdão: 23/08/2008]. A nova Lei de Franquia, ao destacar inexistência de relação de consumo nesse tipo de contratação, refere-se à relação jurídica entre franqueador e franqueado, razão pela qual o entendimento supramencionado se mantém. Prevenção do passivo trabalhista Embora a Lei de Franquia seja expressa quanto à delimitação de uma série de direitos e obrigações, é importante que esse contrato seja específico quanto aos limites de fiscalização do franqueado pelo franqueador. Algumas medidas de precaução que o franqueador pode tomar: • Estabelecer métodos de verificação quanto à idoneidade do franqueado; • Evitar ingerências na atividade do franqueado que caracterize subordinação, inclusive quanto aos empregados deste; • Contratação de seguro, como expressamente previsto na Lei de Franquia, sobretudo para débitos trabalhistas. • Especificação contratual de direito de regresso Imagem pixabay/sushi/qimono Direitos autorais reservados nos termos da Licença Creative Commons