Setor estratégico no mundo dos negócios: transferência de propriedade intelectual, em especial marcas e patentes. Sua comercialização é antiga, mas com o crescimento das empresas especialmente no campo tecnológico, além de maior interesse por seu valor negocial, a tendência é a ampliação de transações envolvendo direitos intelectuais.
Formas mais comuns de transação sobre propriedade intelectual:
- Contrato de cessão do uso de marcas e patentes
- Transferência de know-how.
No primeiro caso, normalmente se utiliza a expressão contrato de licença para uso de marca. Cedente é quem transfere o uso da marca, cessionário é quem dela faz uso.
Transferência de marca ou patente pode envolver contrato de franquia, como previsto, expressamente, no art. 2º, da Lei 8.955/94, sendo, inclusive, a hipótese mais comum no âmbito trabalhista.
Ainda que a cessão de marcas não envolva franchising, a transferência comercial não está isenta de gerar reflexos no contrato de trabalho, sobretudo quanto à sucessão de empregadores.
Cessão de marcas e patentes. Responsabilidade quanto ao passivo trabalhista
Questão comum nos tribunais trabalhistas: empregador insolvente cede o uso de marca e deixa de pagar créditos dos empregados, porque encerrou atividades ou não tem patrimônio para quitar débitos trabalhistas.
Há várias implicações:
- o passivo trabalhista acompanha a cessão de marcas?
- Assumiria o cessionário da marca débitos trabalhistas do cedente?
- Somente se houver continuidade na prestação de serviço dos trabalhadores?
Em princípio, a transação comercial de bens pertencentes ao estabelecimento não demanda responsabilidade de quem é parte estranha na relação jurídica entre o cedente e seus credores.
Regra que comporta exceção, nos termos do artigo 1.146 do CC: o adquirente do estabelecimento e o devedor primitivo respondem solidariamente pelo pagamento dos débitos anteriores à transferência[1].
Cessão de marcas e patentes. Responsabilidade no Direito Empresarial
O Código Civil não conceitua empresa, mas empresário e estabelecimento (art. 1.142), que é um complexo de bens corpóreos e incorpóreos. “Entram no estabelecimento comercial o estoque de mercadorias, os imóveis, as instalações e, no tocante aos bens incorpóreos, as patentes, marcas e inclusive serviços”[2].
Quanto à natureza jurídica, estabelecimento é bem coletivo ou, como conceitua a doutrina, universalidade: conjunto de mercadorias, imóveis, instalações, patentes, etc.
Tradicionalmente, entendia-se que estabelecimento abrangia somente bens ativos. Mas, o atual CC inova[3], determinando que o adquirente responda por pagamento de débitos anteriores à transferência, desde que regularmente contabilizados.
Essa universalidade abrange relações jurídicas ativas e passivas, de modo que sua cessão deve incluir contratos utilizados na exploração do estabelecimento, como, p. ex., leasing e locação[4]. Essa, aliás, a sub-rogação que trata o artigo 1.148, do Código Civil.
A jurisprudência considera inclusos nessa responsabilidade os contratos de trabalho, notadamente porque a força laboral, no mínimo, contribuiu para mantença do estabelecimento, inclusive quanto aos bens incorpóreos que acompanharão o desenvolvimento comercial do cessionário.
Pode ocorrer de o cedente alienar apenas parte da universalidade – como, p. ex. só a marca –, permanecendo o estabelecimento em atividade. Pela interpretação conjunta dos artigos 90, parágrafo único, e 1.145, do CC, a responsabilidade solidária permanece, sendo ineficaz a transferência do negócio se ao alienante não restarem bens suficientes para solver seu passivo.
Cessão de marca e influência nos contratos de trabalho
A marca é direito incorpóreo e pertence ao estabelecimento. Em princípio, é coisa singular, mas sua importância, diante da atividade empresarial que a concebe, pode confundi-la com a própria universalidade; conforme o caso, sua cessão pode afetar significativamente garantias dos contratos laborais anteriores.
Para se considerar cessão de marca como sucessão de empregadores, há três variáveis:
- cessão de marca acompanhada da continuidade na prestação dos serviços dos empregados do cedente;
- cessão de marca que implique alteração significativa da garantia relativa aos contratos de emprego anteriores à transferência;
- cessão de marca acompanhada da continuidade da atividade empresarial (frequente, inclusive, nos contratos de franquia). Esta última, aliás, independe das anteriores.
Havendo continuidade na atividade empresarial com a cessão de marca, praticamente não há divergência quanto à sucessão prevista nos artigos 10 e 448 da CLT. Nesse caso, o cedente da marca transfere parte ou totalidade de seu patrimônio para outra já existente, ou constituída para essa finalidade, que levará adiante aquela atividade empresarial.
Esse entendimento visa a evitar, por exemplo, simulação em que a atividade do cedente da marca é exercida pela cessionária, muitas vezes estabelecida em antigo endereço da empresa anterior; esse tipo de estratégia pretende mascarar continuidade da cessionária, por meio de comercialização dos mesmos produtos, com a mesma marca nos mesmos locais.
Na sucessão de marca, a responsabilidade é solidária, podendo o cessionário obter ressarcimento do cedente, em face das obrigações trabalhistas que assumir.
Cláusulas de não responsabilização trabalhista pela cessão
Para se resguardar de possíveis ações judiciais que incidam sobre o bem, o adquirente de marca deve verificar o que possa acompanhar o objeto da cessão. É disputada a comercialização de marcas sedimentadas no mercado, mas esse tipo de negócio não pode prejudicar contratos de trabalho anteriores à transferência do bem.
Pacífico na doutrina e jurisprudência que cláusulas de não responsabilização, em que se estipula início da responsabilidade trabalhista do cessionário, em geral a partir da transferência, não têm valor para o Direito do Trabalho, dado o caráter imperativo dos artigos 10 e 448 da CLT[5].
Conclusão
Apesar de fundamentada, critica-se a extensão da proteção ao crédito trabalhista na transferência de marcas, notadamente por impedir a livre comercialização empresarial.
De qualquer forma, o contrato de trabalho guarda certa particularidade: depois de prestada não há como devolver a força de trabalho ao status quo ante. Nessas condições, afronta o valor social do trabalho
(art. 1º, IV, da CF) a parte mais fraca na relação econômico-jurídica ficar à revelia de transações comerciais sem que lhe seja garantido seu crédito.
Há de se ter em conta, entretanto, que o labor intelectual passivo de gerar direito autoral envolve, em regra, trabalhador de elevado nível técnico, pelo que, considerando o atual regramento juslaboral, raramente prevalecerá o princípio in dubio pro operario.
A hipótese deverá ser considerada caso a caso.
Consulte também:
Notas
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[1] Ainda que nos limites estabelecidos por esse dispositivo legal, como, p. ex., o prazo de um ano.
[2] Cf. Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França, in Empresa, empresário e estabelecimento. A nova disciplina das sociedades. Revista do Advogado [da Associação dos Advogados de São Paulo]. Direito Empresarial no Novo CC. São Paulo: AASP, nº 71, p. 15-25, ago./03, p. 19.
[3] No claro intuito de proteger os credores [Idem, ibidem, p. 20].
[4] Idem, ibidem, mesma p.
[5] Cf. Mauricio Godinho Delgado, Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2009, p. 399.