Internet das coisas
Com a Terceira Onda da Internet, dizem, empregos irão desaparecer, o trabalho vai se transformar e muito dinheiro será ganho pelas empresas, consultores e bancos de investimento que se anteciparem (HALPERN, 2014).
Em síntese, é a conexão de objetos à rede virtual. Espécie de inteligência artificial, em que máquinas, a partir de sensores, detectarão mudanças físicas, químicas e biológicas, no ambiente, decodificando-as para retransmiti-las digitalmente.
Essa nova Internet, mediante sensores e respectivos softwares, fará com que pessoas conectem-se em tempo real aos mais variados equipamentos e serviços: recursos naturais, linhas de produção, objetos de consumo, etc.
Desde uma geladeira, que indicará perecimento de alimentos, até automóvel indicando quantos passageiros viajam naquele momento, qual melhor rota, problemas mecânicos, etc. Simples guarda-chuva poderá mudar de cor indicando que irá chover.
Pela estimativa de Rifkin, toda esta conectividade trará a Terceira Revolução Industrial, que vai não apenas redefinir nossa relação com e entre as máquinas, mas superar e derrubar o capitalismo, já que a eficiência da Internet das Coisas
solapará o sistema de mercado, ao derrubar o custo de produção para, basicamente, zero. (HALPERN, 2014).
Terceira Revolução Industrial
Internet das coisas, se não for causa única, contribuirá para a Terceira Revolução Industrial, sobretudo porque subverte amplamente os modos de produção, mais do que a Segunda Revolução Industrial, a digital [1].
Sempre que os modos de produção são alterados há reflexos na organização do trabalho. Mudanças que acontecem a passos largos, especialmente em países de capitalismo tardio, como é o caso do Brasil [2].
Exemplo de tecnologia de ponta que ainda não impactou o mercado de trabalho, embora comercializada há algum tempo, é a impressora 3D, considerada parte da Quarta Revolução Industrial, a Era das máquinas livres.
Impressoras 3D constroem objetos lançando camadas de plástico com espessura abaixo de um milímetro, umas sobre as outras, seguindo padrões específicos. Isso permite aos usuários construir equipamentos segundo suas próprias especificações, não ficando mais dependentes do que podem comprar no mercado. (GOODRICH, 2012).
Essa impressora reproduz objetos simples, de plástico e outros materiais sintéticos; em futuro próximo poderá “imprimir” objetos complexos. Se qualquer pessoa, por meio de computador, reproduzirá em casa mais variados produtos, todos os cidadãos serão ao mesmo tempo consumidores e produtores.
Imagina-se que a indústria, da forma que a conhecemos hoje, sofra alterações. Nesse contexto e sem que haja reengenharia da organização laboral [3], sobrariam, teoricamente, poucas oportunidades de trabalho.
A reinvenção do capitalismo
Apesar do tom pessimista dessa nova Era, dificilmente haverá em médio prazo mudança substancial. Alguns aspectos precisam ser avaliados. Novas tecnologias do Primeiro Mundo demoram consideravelmente a alterar modos de produção dos países periféricos.
No Brasil, sempre que aparece algo assim entramos em estado de alerta e logo em seguida surgem teorias para adaptar o mercado, geralmente causando desequilíbrio na relação de trabalho [4]. Mesmo com expansão da Internet das coisas – provavelmente, em longo prazo –, o capitalismo se adaptará utilizando mão de obra de forma alternativa.
Basicamente, “coisas” continuarão a ser produzidas por trabalhadores. Robôs são utilizados desde os anos 70 na produção de automóveis, mas ainda há razoável empregabilidade na indústria metalúrgica [5].
Comercialização da impressora 3D, que, em tese, alteraria de forma mais contundente modos de produção, será acompanhada de produtos acessórios fabricados por alguém – inclusive, a própria impressora. Afora comércio e serviços que contratarão trabalhadores para atividades indiretas.
No que diz respeito ao contexto jurídico, importante ter em vista que sistemas estrangeiros sem adaptações à nossa realidade podem gerar distorções. Ainda que se cogite de teorias universais, cada país possui características próprias.
Exemplo: poucos países possuem mercado consumidor gigantesco como o nosso. Enquanto Europa e EUA, desde meados dos anos 2000, enfrentam grave crise, a economia brasileira se mantém estável e gerando razoável número de empregos.
Economia com ênfase no mercado interno coloca-nos, senão à frente, ao lado das maiores potências mundiais [6]. Desemprego estrutural pode ser enfrentado, basta iniciativa.
Por outro lado, se nosso país chegou, quando muito, à segunda Revolução Industrial, a digital (nem, ao menos, completamente), seria razoável mudar nossa organização laboral – quem sabe o próprio ordenamento jurídico – com sistemas criados para revolução industrial mais adiantada?
Novos paradigmas da relação de trabalho
Muito se pesquisou na última década sobre transformações da organização do trabalho, principalmente pelos reflexos da tecnologia no aumento do desemprego. Houve alterações no chão da fábrica, mas não ao ponto de subverter a ordem jurídica estabelecida.
Observando o que aconteceu com os Bancos, p. ex., isso fica bem claro. Quantos empregados trabalhavam como caixas e quantos trabalham hoje, com a criação dos caixas eletrônicos? Instituições financeiras continuaram empregando, até por expansão, com incontáveis agências em todo o território nacional.
Possivelmente, o emprego tenha aumentado. Na verdade, apesar do advento comercial da Internet, a indústria continuou empregando, o comércio também.
Por isso, há que se ponderar o reflexo dos novos paradigmas da relação de trabalho, que, para muitos, justificariam, já no presente, desregulamentação geral, como explica Jorge Luiz Souto Maior:
“Então, o que se diz é que o mundo do trabalho mudou e que, portanto, o direito do trabalho precisa mudar” (2007, p. 30):
Entretanto, como afirma o mesmo autor (2007, p. 31) os novos modos de produção, embora possam ter sofrido mudanças pontuais, não alteraram substancialmente a base fática. Dito de outro modo, não houve alteração que pudesse abalar a existência do Direito do Trabalho:
“As mudanças havidas no modo de produção alimentam-se da mesma lógica anterior e, portanto, no fundo, dado o seu caráter de acréscimo do poder do capital sobre o trabalho, apenas reforçam a razão da existência do direito do trabalho”.
Mesmo admitindo que indústrias tivessem alterado seu modo de produção – no geral, não alteraram –, persistirão, por muito tempo, trabalhadores no comércio, serviços, produção rural não mecanizada, entre outros (Id. ibid, p. 31). Além disso, pequenas empresas não serão automatizadas totalmente.
Países de Primeiro Mundo, sobretudo Japão e EUA, modelos teóricos da alteração do Direito em função dos novos paradigmas, mantêm na maior parte da produção no antigo sistema fordista. Nem o toyotismo alterou esse quadro, como diz Souto Maior (IBID., p 36), apresentando a ideia de Jerffrey K. Liker:
“a Toyota nunca sacrificará a segurança de seus trabalhadores em nome da produção. E ela não precisa disso, já que a eliminação das perdas não implica a criação de procedimentos de trabalho estressantes e inseguros”.
Em suma, ainda que tenhamos alteração nos modos de produção, por conta da Internet das Coisas, terceira ou quarta revolução industrial, ainda haverá emprego, trabalho, produção, consumo e a economia secular. Capitalismo modificado, sim, não ao ponto de um "apocalipse trabalhista".
Adaptação é necessária, inclusive do Direito. Mas, sua eliminação não é bom sequer para empresas; respectiva legislação é, em última análise, contemporizadora de conflitos. Na pior das hipóteses, prevalecerá proteção a direitos fundamentais, sob pena de nossa sociedade democrática ter chegado ao fim. É verdade que, talvez, um dia tudo isso seja transformado totalmente, mas gerações ainda surgirão para que isso ocorra.
Proteção constitucional
Cedo ou tarde a automação do trabalho virá; em que medida ainda não se sabe precisamente, mas o Direito precisa estar preparado. O problema nem é o fim do emprego – que só ocorrerá com mudança radical do sistema econômico vigente –, mas a quantidade de postos de trabalho que sobrará. Mais relevante é o impacto disso tudo na dignidade humana, sob os mais diversos aspectos.
A Constituição Federal de 1988, art. 7º, XXVII, avançou, considerando direito fundamental a proteção em face da automação, na forma da lei.
O Direito do Trabalho já começa a dar sinais de reação, antes mesmo da automação em larga escala, justamente em razão do poder de transformação social de que é dotado, em grau maior do que outros ramos do Direito. É assim desde a primeira Revolução Industrial – a rigor, razão de sua existência.
Em face da automação, que pode eliminar postos de trabalho, legítimo diversificar formas de contratação de trabalhadores [7] para evitar desemprego, miséria e fome. Necessário avaliar também a sobrevivência das empresas; sem elas não há crescimento econômico, nem trabalho [8].
Deve haver equilíbrio: por necessidade, trabalhadores são obrigados a abrir mão, ainda que parcial e transitoriamente, de seus interesses. Mas, a dignidade humana deve ser preservada, padrões mínimos de civilidade, para que a mão de obra não se torne, na prática, mera exploração do trabalho (art. 1º da Constituição Federal).
Notas
[1] A Internet “das pessoas”.
[2] No Brasil, a primeira Revolução Industrial só começou a partir de meados dos anos 30, do século XX.
[3] Como costumam fazer grandes empresas do Primeiro Mundo; maior exemplo é a Toyota.
[4] Raras as teorias sobre adaptação dos lucros – se é que existem –, p. ex., para redistribuí-los; quem sabe, na geração de mais emprego. Outro exemplo é a redução da jornada, que estatísticas demonstraram ser forma interessante de gerar postos de trabalho.
[5] Em boa parte dos casos, trabalhadores se aperfeiçoaram e aprenderam a controlar máquinas mais sofisticadas.
[6] Acompanhada de outros fatores: infraestrutura, fortalecimento das empresas para competir com produtos importados, melhoria salarial para, justamente, aumentar o consumo, entre outras medidas.
[7] Contrato de trabalho parcial, trabalho autônomo, cooperativas, etc.
[8] Ao menos nos moldes capitalistas tradicionais. De qualquer maneira, o Estado não tem condições de suprir eventual desemprego de milhões de pessoas.
Referências
GOODRICH, Marcia (2012). Quarta revolução industrial: A Era das Máquinas Livres, Inovação Tecnológica. Baseado no artigo de Marcia Goodrich, publicado em 22/09/2012. <http://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=quarta-revolucao-industrial-era-das-maquinas-livres&id=010170120922>. Acesso em 03/12/2014.
HALPERN, Sue (2014). The Creepy New Wave of the Internet. Trad. do Blog Viomundo, o que você não vê na mídia, sob o título Internet das coisas: Até o mau humor terá valor de mercado, publicado em 02/12/2014. <http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/115875.html>. Acesso em 03/12/2014.
MAIOR SOUTO, Jorge Luiz (2007). Relação de emprego e direito do trabalho : no contexto da ampliação da competência da justiça do trabalho. São Paulo : LTr.
NASCIMENTO
(1989), Amauri Mascaro. Direito do trabalho na Constituição de 1988. São Paulo: Saraiva.
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