Em razão do entendimento de que a emissão de CAT (Comunicação de Acidente do Trabalho) seria opcional ao empregador, é comum recusa em emiti-la. Também por prevenção, já que poderia haver responsabilidade a tanto, como, p. ex., estabilidade provisória nos termos do artigo 118 da Lei 8.213/91.
Na verdade, a emissão da CAT é prova favorável ao empregador, considerando especialmente a presunção de nexo causal (art. 21-A, parágrafos, da Lei 8.213/91). Nesse âmbito, pode-se discutir administrativamente o enquadramento da moléstia, inclusive a não aplicação do nexo técnico epidemiológico
(NTEP), de cuja decisão caberá recurso com efeito suspensivo, da empresa ou do segurado, ao Conselho de Recursos da Previdência Social.
De todo modo, o nexo técnico epidemiológico não retirou a obrigação da emissão da CAT, por duas principais razões:
1) presunção do nexo de causalidade incide a posteriori, motivo pelo qual o empregador não poderá deixar de emitir a CAT, quando necessária;
2) o empregador, administrativamente, poderá impugnar o procedimento relativo ao NTEP.
CAT: REQUISITO PARA RECEBIMENTO DE BENEFÍCIO ACIDENTÁRIO
Embora a emissão de CAT não seja requisito para intentar ação acidentária de responsabilidade civil[1], para que o empregado obtenha administrativamente direitos acidentários junto à Previdência Social, é necessária a emissão desse tipo de documento.
É importante que o empregador emita esse documento, porque, nas hipóteses em que o próprio empregado emitia a CAT, não raro a Previdência Social concedia benefício previdenciário comum em vez do acidentário.
NTEP é presunção baseada em estatísticas, não podendo substituir a CAT, que ainda é formalização imprescindível à aquisição administrativa de benefícios acidentários.
FALTA DE EMISSÃO DA CAT E RESPONSABILIDADE CIVIL
Descumprimento da obrigação de emitir a CAT acarreta sanções ao empregador. Por exemplo, administrativas perante a Previdência Social (art. 22, parte final, da Lei 8.2113/91). O ilícito advém não somente da violação legal ou do ordenamento jurídico como um todo, mas da lesão a direito de outrem, ou seja, da violação do dever geral de cautela [2].
A reparação civil prevista no art. 927 do Código Civil deve ser integral, isto é, abrangendo todos os prejuízos, conforme a extensão do dano, a teor do princípio restitutio in integrum (art. 944 do Código Civil).
Não cumprindo o empregador obrigação de emitir a CAT, estará violando direito do empregado em obter concessão de benefício acidentário perante a Previdência Social.
É bem verdade que, atualmente, não só o sindicato da categoria pode emitir a CAT, mas, também, o médico que atendeu o trabalhador, seus dependentes ou qualquer autoridade pública - até mesmo o próprio trabalhador diretamente no site da Previdência Social, tudo nos termos da Instrução Normativa n. 77/15, do INSS.
Questões, então, que poderiam esvaziar o pleito de responsabilização do empregador. No entanto, essa hipótese não é substitutiva da obrigação do empregador, mas opcional.
Primeiramente, Instrução Normativa não é lei e a obrigação do empregador, a tanto, está descrita na Lei 8.213/91. Ademais, deixar o empregado, p. ex., ao alvedrio do entendimento do INSS, que poderá, de pronto, indeferir o benefício, não parece ser a lógica do sistema legal previdenciário.
INDENIZAÇÃO POR PERDA DE UMA CHANCE
Para haver indenização são necessários os requisitos: ação ou omissão, nexo de causalidade, dano e culpa. Considerando-se ilegal a não emissão de CAT pelo empregador, havendo prejuízo ao empregado, há obrigação de indenizar.
Não sendo o caso de danos emergentes ou lucros cessantes, pode haver outra espécie de prejuízo, que difere substancialmente do dano certo e atual: perda de oportunidade ou expectativa, ou, como se convencionou chamar, de chance.
Tradicionalmente, a doutrina não reconhecia a possibilidade de se responsabilizar o dano decorrente da perda de oportunidade ou chance, ou mesmo de se evitar prejuízo, sob o argumento clássico: aquilo que não aconteceu não poderia ser objeto de certeza a ponto de ensejar reparação [4].
Contudo, o que se indeniza, nesse caso, não é o direito material envolvido, mas a perda de oportunidade de obtê-lo. “Uma coisa é a perda da vantagem esperada; outra é a perda da chance de obter a vantagem ou de evitar o prejuízo” [5].
Na avaliação da perda de oportunidade ou chance, deve-se ter em vista o balanço das perspectivas contra e favor do resultado pretendido. Embora, não se tenha de antemão certeza e atualidade dos danos emergentes ou mesmo a projeção futura dos lucros cessantes, há juízo de plausibilidade, descartando-se prejuízos hipotéticos ou vagos [6].
Em suma: o dano indenizável não é o valor do bem pleiteado, que a parte, em tese, poderia obter, mas a perda da oportunidade de fazê-lo valer. Não se trata de juízo de probabilidade quanto ao direito material pleiteado, mas de certeza quanto à possibilidade de obtê-lo.
Fundamento legal para a indenização por perda de uma chance é o princípio da reparação integral dos danos, com fulcro no art. 402 do Código Civil e Súmula 37 do STF, podendo ser cumulada com lucros cessantes e danos emergentes.
INDENIZAÇÃO POR PERDA DE UMA CHANCE E NÃO EMISSÃO DE CAT PELO EMPREGADOR
Continuando a indagação feita no início deste texto: a não emissão de CAT pelo empregador ensejaria indenização por perda de uma chance?
O que há, nesse caso, é o elemento condicionante à existência do benefício: perícia médica, que pode ser positiva ou negativa. Não se pode falar em “projeção futura” de algo que, de fato, depende de causa material próxima.
Não se sabe de antemão se o empregado obterá o benefício, mas tolher a possibilidade de obtê-lo, o que ocorreria pela não emissão da CAT, é ilícito claro e inequívoco.
Daí a questão fundamental: não é a perícia negativa o fato gerador do dano, mas a impossibilidade de obter o benefício, caso se considere como obrigação precípua a emissão desse documento pelo empregador.
Digamos que, recusando-se o empregador, seja a CAT emitida pelo próprio empregado e, por equívoco, o INSS conceda benefício previdenciário comum em vez do acidentário. Seria a hipótese de perda de uma chance? Ou uma das excludentes do dever de indenizar (culpa exclusiva da vítima)?
VALOR DA INDENIZAÇÃO POR PERDA DE UMA CHANCE
Dada a dificuldade de se apurar a proporcionalidade do dano, o montante da indenização não é o valor patrimonial do bem envolvido por si só considerado, ou seja, do resultado esperado, mas da possibilidade de obtenção desse mesmo resultado [7].
Em regra, o valor da indenização por perda de uma chance é apurado com base em 50% do valor da obrigação de fundo, isto é, do direito material envolvido [8].
QUESTÕES PROCESSUAIS
Consequências da não emissão de CAT
pelo empregador têm sido com frequência objeto de pleitos judiciais. Em 2008, por exemplo, por atuação do Ministério Público do Trabalho, mediante ação civil pública, grande instituição bancária foi condenada a pagar indenização de 500 mil reais, envolvendo danos morais coletivos, por não emitir reiteradamente a CAT, sendo, também, obrigada, a partir de então, a cumprir tal obrigação para todos os empregados acometidos de moléstias profissionais (em especial a LER – Lesão por Esforço Repetitivo, o que, aliás, foi objeto principal da referida demanda).
Há, também, possibilidade de reparação civil individual. No entanto, necessário avaliar a relação custo/benefício de se pleitear indenização por perda de uma chance, em vez de se pedir indenização por responsabilidade civil do empregador, com base na culpa deste, pela ocorrência do infortúnio (o acidente ou doença).
Considere-se, ainda, que nem todos os acidentes laborais ocorrem por culpa do empregador, podendo ser o caso de o pleito se restringir à não emissão da CAT e suas consequências.
Notas
[1] O trabalhador não tem obrigação de juntá-la à petição inicial, salvo se emitida pela empresa. Não é a formalização de documento que atestará se existiu, ou não, nexo causal do infortúnio com o trabalho, mas a perícia, judicial, administrativa, ou presunção do NTEP.
[2] Cf. Sílvio de Salvo Venosa, Direito Civil: responsabilidade civil. 4ª ed., v. 4. São Paulo: Atlas, 2004, v. 4, p. 242 e 249.
[3] Idem, ibidem.
[4] Cf. Raimundo Simão de Melo. Direito ambiental do trabalho e a saúde do trabalhador. 2ª ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 325.
[5] Cf. Raimundo Simão de Melo, ibidem.
[6] Cf. Sílvio de Salvo Venosa, ibidem, p. 245.
[7] Cf. Raimundo Simão de Melo, Ibidem.
[8] Cf. Sérgio Savi, Responsabilidade civil por perda de uma chance. São Paulo: Atlas, 2006, p. 25/26.